
Martin Buber é um filósofo recente e com um pensamento muito atual. Judeu por credo, desenvolveu seu pensamento com a influência da mística judaica misturada com a influência do pensamento existencialista. Desta maneira, a filosofia buberiana se apresenta entre existencialismo e religiosidade, desenvolvendo seu pensamento basicamente em torno do homem que existe em relação, aflorando num personalismo religioso.
Em sua concepção, o homem é um ser que se relaciona sempre com o mundo. Ele não consegue se pensar sem um ambiente, sem um mundo. Ele precisa de um locus para se encontrar, e esse processo relacional se dá mesmo que ele não perceba. Este mundo não deve ser entendido, todavia, somente como um lugar que está à mão dos sentidos, possível a eles, este mundo é um lugar de significância para o homem, um lugar que adquiriu um sentido para o homem devido a sua vivência nele. Assim, o homem é um ser-em-um-mundo, e não há como pensar-se de outro modo. Neste ato de significar o mundo o homem molda-se enquanto atitude que se dirige ao mundo dando-lhe um valor significativo. Esse valor significativo, contudo, não é um idealismo, pois para ser valor haverá a necessidade do eu que doa o sentido, do mundo que é o portador do sentido e da relação entre um e outro, não sendo este valor meramente algo do sujeito.
O eu se reconhece como existente enquanto se reconhece neste mundo com o qual se relaciona, e desta forma realiza-se enquanto ser. Desta maneira, não cabe ao campo racional o pensar sobre si, mas à intuição de sua existência, porque o eu não é uma colocação racional da essência, mas é vivência de si no mundo.
Seguindo o pensamento buberiano, que mistura mística e filosofia, o homem foi criado pelo dahar, que para o nosso filósofo é a plenitude dinâmica do Ser criando, e não pelo lógos estático, sendo, portanto, este homem portador da palavra vivificante que é motora. O homem desvela o Ser pela sua palavra, que é sempre dirigida a alguém, e por isso torna-se criadora, fazendo do Ser uma vivência dialógica.
Voltamos ao homem como atitude! Ele é atitude pois, por meio do Ser comunicado pela palavra-viva, torna-se comunicante do sentido de Ser. Sua palavra é criadora de Ser, a partir do momento em que o eu tira o outro do sem-sentido do nada de mundo sem significância. O eu é atitude como uma palavra que dá princípio a uma relação.
Diante do mundo significado, temos duas posições atitudinais: ou o eu se relaciona com o mundo como significativo e por isso escapa ao conceitual, ou o mundo se torna um lugar possível a um conceito racional, e por isso objeto do pensamento de um sujeito. No primeiro caso, Buber trata que esta relação é um Eu-Tu, pois o mundo passou do nada ao significativo vivencial. No segundo, a relação é Eu-Isso, em que o mundo tornou-se um conceito racional (objeto de pensamento) ao homem, longe de ser vivido. Assim, as relações se dão nas palavras-princípio de Eu-Tu ou Eu-Isso, dependendo de como o mundo está sendo afrontado pelo sujeito.
Com a palavra-princípio (isto é, a relação de significância que há entre eu-mundo) Eu-Isso, o eu é sujeito de conhecimento do objeto mundo, passando o mundo a ser dependente da existência do eu, havendo uma fusão entre sujeito e mundo. Dá-se uma comunicação estéril, onde somente o eu tem vez e voz, um monólogo em que um fala – o eu – e o outro escuta e acolhe que o eu disse – o mundo. Já na palavra-princípio Eu-Tu o que reina é o diálogo, o encontro afrontado, não sendo o mundo reduzido a um objeto pensado, um noema do pensamento, mas algo que, por ter significado, é por si só, mostrando, com isso, que o outro não se conhece, mas se dialoga com ele. Para conhecê-lo deveríamos reduzi-lo a um fruto de pensamento, objetivando-o. Dialogando, deixamo-lo ser o que é, mas também não somos indiferente ou seus possuidores de sua existência. Portanto, fugindo das conceituações, encontramos a vivência, e nesta o Ser, que escapa às conceituações, sendo-o simplesmente.
Já vai ficando claro, então, que o homem só é quando se relaciona Eu-Tu, pois não está buscando conceituações, mas vivência do Ser. E quanto mais o homem se aproxima do Eu-Isso, mais conceitua e por isso mais se afasta de Ser, embora nunca deixe de ter em si um Tu Eterno, possibilitando-o que busque um outro com um intuito de Ser o que ele é. Assim, o Eu-Tu está sempre em estado de latência no Eu-Isso, e por isso o Eu não deixa nunca de ser, mas ele é, nesta relação, parcialmente e não plenamente. E quando falamos deste Tu Eterno chegamos ao personalismo religioso de Buber, pois este Tu Eterno só pode ser o Divino que se encontra no íntimo do homem. O Divino é o primeiro a se relacionar, visto que Ele que se dá ao homem a fim de se relacionar com ele, num processo em que o Divino sempre escapará ao conhecimento humano do Eu. Ele não é uma apropriação, mas é Realidade Pura. Portanto, baseado nesta constatação, o relacionamento Eu-Tu, que tem como exemplo a relação Eu-Tu do homem com o Divino, sempre será uma relação transcendente ao tempo e ao espaço contrariando o que disse Kant, em que estas seriam condições sine qua non para o conhecimento, sendo para Buber, estas geradoras da relação Eu-Isso.
Para ser pessoa, e já trazemos este subtítulo à tona, o homem deve viver o relacionamento Eu-Tu, porém esta vivência é um caminho. Nunca ninguém será plenamente Eu-Tu, mas deverá sempre lutar para não ser um Eu-Isso porque a pessoa vive no tempo e no espaço e tem facilidade em conceituar tudo. Para exemplificar melhor, usaremos de efeitos gráficos para se entender melhor.

Concluímos, com o auxílio do gráfico, que há mais Ser na Relação Eu-Tu que na Relação Eu-Isso, pois esta última tem sentido contrário ao Ser. O homem é um ser distanciado do Ser, para reconhecer que o seu existir só é enquanto relação com o Tu, gerando pessoa. Devendo ser a sociedade baseada na relação dialógica.

É fato que o pensamento personalista floresceu de maneira concomitante com o existencialismo e por isso este influencia aquele. Surgem em um período em que o homem, devido ao conceito de ser um ser racional, acha-se dono do mundo e no direito de tudo fazer. Só que aparece uma contradição: por que o homem, tão racional como se diz, tem causado a guerra? O existencialismo e o personalismo mostram-se contra o conceito e em favor da vivência. Antes de conceituar-se como racional, seja homem. Porém, o existencialismo ateu deixa-se cair num abismo do trágico: o homem não tem nenhum sentido que seja transcendental, é aqui a sua existência e só, e portanto aproveite o máximo aqui, engajando-nos no mundo, mas sem perspectivas “futuras”. Para o existencialismo cristão e para o personalismo, é preciso sim este engajamento, mas que este seja real e com perspectivas de um Ser que é eterno, e não mera tagarelice, como fizeram aqueles outros existencialistas. Esta ação não é um mero saber-fazer, é antes uma ação reflexiva e significativa, pois “a ação pela ação é o caminho aberto para o inumano, sobretudo quando negamos a existência da natureza humana (...) Reagindo contra um idealismo estéril, o existencialismo chegou a negar tôda a essência do homem” .
Assim, após Martin Buber, surge, entre outros personalistas, Emmanuel Mounier. Este é cristão católico engajado nos movimentos eclesiais e na prática do diálogo com a realidade social. Sofreu influência do neotomista Jacques Maritain e do existencialista cristão Gabriel Marcel. Sua intenção foi desmistificar alguns temas tomistas, atualizando-os, assim como Maritain. O pensamento de Tomás de Aquino se continuasse do jeito que estava tornar-se-ia estéril, sendo preciso atualizá-lo, uma vez que a sociedade para qual Tomás escrevia era uma, e a que Mounier vivia era outra, com temas e vivências completamente diferentes. O pensamento daquele era defender a fé diante dos problemas surgidos no período medieval, o pensamento deste era defender a integridade humana, imagem de Deus, em meio ao mundo dilacerado pela Guerra e desesperado de tudo. Desta forma, o pensamento de Mounier mistura tomismo, existencialismo e cristianismo.
Com base em Gabriel Marcel, pensará na pessoa como o não-inventariável, o que não pode ser posto “para fora” como objeto de estudo científico, mas só pode ser entendido de dentro de uma vivência humana. O que é o homem? Só quem o é pode intuir – e não definir – o que é. Diz-nos Mounier:
“Visto que a pessoa não é um objeto que se separe e observe, mas um centro de reorientação do universo objetivo, resta-nos orientar agora a nossa análise para o universo por ela edificado, a fim de iluminar nos seus diversos planos as estruturas, sendo preciso não esquecer que esses planos não são mais que incidências diferentes sobre uma mesma realidade.” (2004: 24-25)
A pessoa humana se manifesta em diversos modos, que são extensões de si mesma, não se deixando aprisionar em nenhuma de suas ações pois transcende sua natureza, não sendo determinada a certas ações, por mais que seja coagida, mas livre diante de todas.
“Tal é a pessoa: encarnada em um lugar, engajada num tempo, e entre os homens. Mas o homem, ser natural, é mais que um ser natural: transcende a natureza. Não se reduz a um conjunto de funções ou de reflexos combinados. Sua transcendência em relação à natureza se afirma por vários sinais: só ele conhece a natureza, só ele a transforma. Mais ainda: é capaz de amar” (MOIX, 1968: 135)
Basicamente, para entendermos, se é que podemos reduzir pessoa a um objeto compreendido, a pessoa de Mounier é uma realidade íntima, que é só dela, encarnada num corpo para a ação prática. Ela possui um quê de segredo, de mistério, fugindo da análise científica. Ela só é compreensiva a si mesma, pois só ela se vive. Ela é dada a si mesma como existente.
Relaciona com os valores, que brotam de si, de sua natureza inefável, gerando uma transpessoalidade, ou melhor, algo que é além da pessoa mesma – é o segredo que traz em si, a imagem de Deus. E se esquecido este segredo, torna a existência pessoal uma verdadeira crise de valores humanos. “Os sintomas dessa crise são: a desordem social, a mudança de valores, as guerras, a desesperança, a divinização da ciência, a prevalência do econômico” .
Urge, então, a necessidade de se pensar a pessoa atuante em uma sociedade, propondo e assegurando seus valores essenciais para se alcançar uma sociedade diferente. É uma pessoa concreta que propõe Mounier.
Parece-nos que não é porque a sua eminente dignidade não é possível de se conhecer que a pessoa deve deixar de agir. Muito pelo contrário, deve fazer com que a sua eminente dignidade, torne-se iminente em meio à sociedade, ao ponto desta dignidade revelar a pessoa. Assim, a sociedade está para a pessoa, e nesta sociedade pessoal, todos os membros são pessoas e devem ser respeitadas para que os valores, frutos da dignidade, sejam postos em prática virtuosamente com a convivência engajada em busca do aperfeiçoamento pleno da pessoa, isto é, em todas as suas realidades de ser, em todos os campos em que vive e atua, sendo regida pelo amor, que não é teorético, mas real. Portanto, o Ser da pessoa é amar, pois só será pessoa enquanto amar praticamente, só existirá realmente, deixando o plano de fundo cinza da existência passando ao protagonismo do Ser, quando amar.
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